sábado, 12 de dezembro de 2009

Por não pensar em nota.

Então, momento complicado esse de avaliar a disciplina e a minha inserção nela. Acredito que o módulo cumpriu o papel a ele proposto, nos fazendo refletir sobre qual é a real intencionalidade do trabalho em saúde e nos sensibilizar em relação a questões que, por diversos motivos, não fazem parte do nosso pensar cotidiano. Ao contrário do que nos querem fazer acreditar, já dizia Chaplin "Homens não sois máquinas, homens é que sois". A professora Fátima foi encantadora ao assumir uma postura de facilitadora e nos deixar bem a vontade para expor nossas inquietações. É também muito louvável a coragem dela de insistir na administração desse módulo que se propõem a questionar muitas das práticas reproduzidas pelos profissionais responsáveis pela Educação Médica da nossa faculdade. Quanto à minha participação, me envolvi bastante com as discussões, no entanto, por conta de algumas pendências acadêmicas, não me dediquei com o afinco que a disciplina exigia. Por me recusar a pensar em nota, termino aqui a avaliação.

Despedida com gostinho de quero mais.

Como essa semana passou rápido, nem deu para digerir ainda todas as conversas, imagens e diversidades. A apresentação dos ensaios fotográficos foi muito doce e surpreendente. As temáticas variaram assim como era diversa a nossa turma, alguns sérios, outros risonhos, alguns perfeccionistas, outros desorganizados, mas todos espontâneos e sinceros. Me deliciei com a criatividade dos meus colegas, que apreenderam imagens desde o conturbado trânsito urbano até o silêncio da madrugada e a simplicidade de uma natureza que é deslumbrante só por existir, e, é claro, com o pão de queijo e o bolo de batata trazido pela professora! Nesse momento sinto pelo fim desse espaço tão reconfortante que nós conseguimos criar durante a semana e por lembrar que durante mais esses três anos de faculdade vão tentar me fazer pensar que refletir sobre as questões abordadas por essa disciplina é perda de tempo, pois afinal medicina é diagnóstico e tratamento não?

Serão mesmo os olhos as janelas da alma?

Se eu pudesse reduzir em algumas palavras a impressão geral que eu tive do módulo, é claro que sem escapar de cair no simplismo, eu diria que ele é construído de várias surpresas. Nossa, quão impactante foi sentir as emoções despertadas pelo documentário "Janelas da Alma". As cenas iniciais foram para mim um tanto quanto angustiantes, por me fazer reviver o trauma de infância e adolescência desencadeado pelo medo de ficar cega. Hoje esse medo já passou, no entanto, como Saramago bem lembrou em suas falas emocionadas, somos todos nós cegos, muitas vezes não de uma cegueira propriamente física, mas de uma ignorância que limita os nossos olhares, se encanta pela exuberância, mas se esquece de enxergar o simples, o detalhe, a vida. Após o filme, discutimos as impressões mútuas. Caramba, a nossa cegueira é tão diversa! Cada um se inconmodou com um olhar, uma imagem, uma lição. Agora me veio a mente um poema do escritor Horácio Dídimo que diz o seguinte:


"Um cego conduzindo outro cego conduzindo outro cego conduzindo outro
cego conduzindo outro cego
                                          cai
                                                todo
                                                        mundo
                                                                   no
                                                                        buraco"

No buraco da vida.                             

E a arte abre alas à sensibilidade

Ainda empolgada com a discussão do dia anterior, inicio a manhã da terça-feira com grandes expectativas. A atividade inicial sugerida pela professora tratava-se de relatarmos de forma escrita experiências positivas ou negativas em atendimentos à saúde. A turma foi bem criativa e miraculasomente transformou trágicos acontecimentos, experenciados na nossa tão conturbada formação médica, em crônicas ricas de poesia que nos inquietaram por retratarem cenas reais. Particulamente, relembrei dois episódios lamentáveis dos quais fiz parte.
O primeiro tratou-se de uma pesquisa sobre os impactos do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores. Durante o mês de julho viajei para o município de Quixeré imbuída da função de entrevistar trabalhadores/as possivelmente acometidos/as por intoxicação aguda devido ao uso de agrotóxicos. Uma atividade que a princípio parecia simples transformou-se em uma das principais vivências sobre o sistema público de saúde do nosso país. Pude conhecer a realidade do precário Hospital Municipal de Quixeré, em greve há alguns meses devido as condições insalubres de atendimento e de trabalho. A greve era protagonizada pelas técnicas de enfermagem que não suportavam mais se submeter aquela situação de exploração, chegando a receber menos de um salário mínimo por mês. Os absurdos não paravam por aí, os poucos atendimentos à saúde que haviam, apenas as emergências, eram realizados por médicos que eram incapazes de olhar para os pacientes, exame físico então, era coisa de outro mundo. A cada consulta acredito que eles se desafiavam a bater o recorde de atender em menos tempo. Enquanto isso, a população de Quixeré tenta continuar sobrevivendo e de vez em quando surge alguns que reivindicam seus direitos e dignamente organizam uma greve por não entender onde foi parar aquele artigo da constituição que assegura que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.
Outra recordação difícil de ser esquecida se concretizou há alguns meses, durante uma aula prática no módulo de ginecologia, quando eu e alguns colegas assistimos a uma consulta feita por um "médico" ginecologista. Além de bombardear as pacientes de perguntas, ele nunca as deixava responder e em quase todas as vezes induzia as respostas delas. Mesmo as pacientes tendo determinadas queixas, ele as ignorava e fugia para outra abordagem totalmente descontextualizada. Parafrasendo certo amigo meu, saí de lá, além de muito frustrada, com uma lição de como não ser médica.É, será que as coisas tem que ser assim? Não, não vou me adaptar...
Após esse momento de diálogo fraterno, fomos emocionados ao assistir a um documentário que retrata a vida de pessoas com Síndrome de Down. Foi impactante constatar como a nossa sociedade cria padrões e neles se assegura de maneira incontestável. Temos que ser iguais, nos vestir iguais, parecer iguais, pensar iguais e ter preconceitos iguais. Tudo o que soa diferente é crime, e o que é pior, é pecado. Li certa vez e gostei bastante de um comentário sobre a diversidade. Nós não devemos apenas tolerar e aceitar os diferentes, isso é muito pouco, nós devemos é estimular, se alegrar, admirar e festejar as diferenças, principalmente quando elas são desafiantes para aqueles que não estão na curva normal delineada por nossas (i)morais.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Vivência inicial no módulo.

Participei do módulo de Arte e Literatura durante os dias 07 a 11 de dezembro de 2009.Inicialmente a professora Fátima nos acolheu de forma muito cordial e nos apresentou os objetivos da disciplina. Ela se propõem a criar momentos de intensa reflexão sobre o fazer medicina e para além disso nos estimula a assumir um papel crítico e a resgatar a prática humanística no dia-a-dia da clínica médica. Apesar das tentativas atuais do currículo médico, essa discussão é ainda secundarizada e são poucas as disciplinas que ousam nos lembrar que além de estudantes de medicina, somos seres inseridos em uma sociedade cheia de contrastes que nos entrega a responsabilidade de cuidar das pessoas e interferir na construção de um sistema público de sáude que atenda às necessidades da população.
A primeira lição do módulo foi na verdade um grande desafio, uma descrição sobre nós mesmos. Passada a apreensão coloquei no papel vários devaneios sobre uma vivência passada, dos tempos de criança, até a construção da Ada atual, em meio a todos os seus conflitos. Achei oportuno terminar a minha descrição com um poema encravado na minha vida, do poeta Thiago de Mello, o qual vou reproduzir abaixo:

Já faz tempo que escolhi

A luz que me abriu os olhos
para a dor dos deserdados
e os feridos de injustiça,
não me permite fechá-los
nunca mais, enquanto viva.
Mesmo que de asco ou fadiga
me disponha a não ver mais,
ainda que o medo costure
os meus olhos, já não posso
deixar de ver: a verdade
me tocou, com sua lâmina
de amor, o centro do ser.
Não se trata de escolher
entre cegueira e traição.
Mas entre ver e fazer
de conta que nada vi
ou dizer da dor que vejo
para ajudá-la a ter fim,
já faz tempo que escolhi.

Thiago de Mello